23 - Eles... Viverão...
Onze anos após a crucificação do
Mestre, Tiago, o pregador, filho de Zebedeu, foi violentamente arrebatado por esbirros
do Sinédrio, em Jerusalém, a fim de responder a processo infamante.
Arrancado ao pouso simples, depois de
ordem sumária, ei-lo posto em algemas, sob o sol causticante.
Avançando ao pé do grande templo, na
mesma praça enorme em que Estevão achara o extremo sacrifício, imensa multidão
entrava-lhe a jornada.
Tiago, brando e mudo, padece,
escarnecido.
Declaram-no embusteiro, malfeitor e
ladrão.
Há quem lhe cuspa no rosto e lhe
estraçalhe a veste.
– “A morte! à morte!...”
Centenas de vazes gritam inesperada
condenação, e Pedro, que de longe o segue, estarrecido, fita o irmão desditoso, a
entregar-se humilhado.
O antigo pescador e aprendiz de Jesus
é atado a grande poste e, ali mesmo, sob a alegação de que Herodes lhe decretara a pena,
legionários do povo passam-no pela espada, enquanto a turba estranha lhe apedreja os
despojos.
Simão chora, sozinho, ao
contemplar-lhe os restos, voltando, logo após, para o seu humilde refúgio.
Depois de algumas horas, veio a noite
envolvente acalentar-lhe o pranto.
De rústica janela, o condutor da casa
inquire o céu imenso, orando com fervor.
Porque a tempestade? Porque a infâmia
soez?
O pobre amigo morto era justo e
leal...
Incapaz de banir a idéia de vingança,
Pedro lembra os algozes em revolta suprema.
Como desejaria ouvir o Mestre
agora!... que diria Jesus do terrível sucesso?!...
Neste instante, levanta os olhos
lacrimosos, e observa que o Cristo lhe surge, doce, à frente.
É o mesmo companheiro de semblante
divino.
Ajoelha-se Pedro e grita-lhe:
– Senhor! somos todos contados entre
os vermes do mundo!... porque tanta miséria a desfazer-se em lama? Nosso nome é
pisado e o nosso sangue verte em homicídio impune...
A calúnia feroz espia-nos o passo...
E talvez porque o mísero soluçasse de
angústia, o Mestre aproximou-se e disse com carinho, a afagar-lhe os cabelos :
– Esqueceste, Simão? Quem quiser vir a
mim carregue a própria cruz...
– Senhor! – retrucou, em lágrimas, o
apóstolo abatido – não renego o madeiro, mas clamo contra os maus...
- Que fazer de Joreb,
o falsário infeliz, que mentiu sobre nós, de modo a
enriquecer-se? que castigo terá esse
inimigo atroz da verdade divina?
E Jesus respondeu, sereno, como
outrora :
– Jamais amaldiçoes... Joreb vai
viver...
– E Amenab, Senhor? que punição a
dele, se armou escuro laço, tramando-nos a perda?
– Esqueçamo-la em prece, porque o
pobre Amenab vai viver igualmente...
E Joachib Ben Mad? não foi ele,
talvez, o inspirador do crime? o carrasco sem fé que a todos atraiçoa? Com que horrenda aflição
pagará seus delitos?
– Foge de condenar, Joachim vai
viver...
– E Amós, o falso Amós, que ganhou por
vender-nos?
– Olvidemos Amós, porque Amós vai
viver...
– E Herodes, o rei vil, que nos
condena a morte, fingindo ignorar que servimos a Deus?
Mas Jesus, sem turvar os olhos
generosos, explicou simplesmente :
– Repito-te, outra vez, que quem fere,
ante a lei será também ferido... A quem pratica o mal, chega o horror do remorso... E o
remorso voraz possui bastante fel para amargar a vida...
Nunca te vingues, Pedro, porque os
maus... viverão,...
...e basta-lhes viver para se alçarem à dor da sentença cruel que lavram contra eles mesmos...
...e basta-lhes viver para se alçarem à dor da sentença cruel que lavram contra eles mesmos...
Simão baixou a face banhada de pranto, mas ergueu-a em seguida, para nova
indagação...
O Senhor, entretanto, já não mais ali
estava.
Na laje do chão só havia o silêncio que o luar renascente
adornava de luz...
Contos Desta e Doutra Vida (psicografia Chico Xavier )
(espírito Humberto de Campos)
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